Bem Vindo...

"Há cegos que lêem melhor o livro da vida do que muitos que possuem bons olhos."

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

"Deficiência Motora, Visual e Auditiva" - 23/01/2011 (Dia Mundial do Desporto)

       No âmbito da disciplina de Área de Projecto, o grupo “Para Além dos Nossos Olhos” sentiu necessidade de elaborar uma actividade lúdica com jovens (uma vez que a primeira actividade tinha sido realizada com crianças), com o objectivo de proporcionar sensações, nunca antes vividas - a sensação de ser invisual. Fizemos esta actividade com o propósito se colocar estes nossos colegas num outro papel, num papel totalmente diferente do que têm vivido, de modo a tentarem compreender que a vida que um deficiente leva não é fácil, e que não faz qualquer sentido que seja julgada, gozava e/ou até que seja motivo de preconceito.
       Para isso, e com a ajuda da professora Isabel Freire, professora de Área de Projecto, foi-nos sugerido a realização desta actividade com um grupo (também constituído por duas alunas) da turma do 12ºCTB, uma vez que o seu tema abrangia o nosso – “Contra a discriminação, pela igualdade de direitos - Deficiência motora, auditiva e visual.”
       Aceitámos a proposta visto que, além de ser mais uma ajuda para a elaboração desta actividade, seria muito mais pertinente e engraçada, havendo, consequentemente, mais ideias e sugestões para diversos jogos que poderiam ser realizados.
       Posto isto, e tendo em atenção o nosso horário e o horário das nossas colegas, marcamos esta actividade para dia 24 de Janeiro de 2011, sendo um dia após ao dia específico para a realização desta actividade (23 de Janeiro de 2011 – Dia Mundial do Desporto). Esta não pôde ser realizada uma vez que calhava a um Domingo, dia esse que impossibilita qualquer actividade (curricular ou extra-curricular) numa escola/colégio, o que por um lado causou pena, mas por outro não, porque o explicámos à nossa população – alvo.
       A actividade teve início às 10h30min. no pavilhão gimnodesportivo do Colégio.
       Enquanto a nossa população – alvo se equipava para uma “suposta” aula de Educação Física, o grupo (e quando falo em grupo, falo nos dois grupos – no geral) começou a organizar o material, decidindo a sequência de actividades que iriam ser realizadas, concluindo assim que iríamos começar pela corrida com obstáculos, com a ajuda do professor Ricardo, que nos deu uma ideia de uma actividade, que acabámos por realizar por último.
       A turma, depois de se equipar, foi chegando ao pavilhão e sentando sossegadamente para ouvir o que nós tínhamos para lhes dizer. Foi então que a minha colega Mariana Rios explicou, detalhadamente, quem éramos, de que disciplina surgiam estas actividades, que dia importante tinha sido ontem e a nossa intenção de ter feito a actividade nesse dia, o que pretendíamos fazer com a turma, acabando por explicar, então, que actividade iriam fazer inicialmente.
       A primeira actividade era composta por um circuito fechado ao zig – zag delimitada por pinos. Dentro deste circuito foram colocadas bolas de basquetebol e bolas de andebol, bem como arcos de diversas cores e feitios. O nosso objectivo, aquando da elaboração do circuito, foi dificultar o trajecto que iria ser percorrido pelos alunos daquela turma.
       Posto isto, e como eram apenas seis alunos, vendámos os olhos a três deles, sendo os outros três os “guias” de cada um, respectivamente. Este guia tinha a função de acompanhar o seu colega “invisual”, dando-lhe indicações para que este possa deslocar-se sem tocar nos obstáculos e, consequentemente, cair. Aquando da chegada do primeiro “invisual” – vencedor – quem teve a função de guia passava a usar a venda nos olhos e vice-versa, pois pretendíamos que todos passassem pela dificuldade de ser cego, e como eram muito poucos, era realmente fácil poder dar a vez a todos eles.
       Depois de se realizar esta actividade duas vezes, foi realizada mais uma ou duas vezes. Isto porque a turma tinha interesse na actividade e era desafiada pelos obstáculos e pelo primeiro lugar.
       Após esta actividade, sugerimos que voltassem a fazer o percurso/circuito, com as mesmas características, havendo apenas uma alteração: além dos olhos vendados, os pés iriam estar amarados com cordas.
       Esta actividade foi muito engraçada, talvez mais que a outra, dando oportunidade a todos os alunos de se divertirem e aprenderem.
       Assim, e como o tempo era escasso, resolvemos aceitar a sugestão do professor Ricardo, e realizar uma actividade completamente diferente das que foram utilizadas até agora. Esta actividade consistia em fazer duas equipas e colá-las em sentidos opostos, no local das balizas. Como só podemos utilizar meio canto (pois estava outra turma a ter aulas, no inicio), tentámos afastar as duas equipas o mais possível. Assim, e com cada uma das pessoas com vendas nos olhos, sentámo-los no chão, alinhados, virados para a equipa oposta. Uma pessoa mandava a bola para a frente, e a outra equipa teria que ouvir a bola a rebolar no chão e saber qual era a orientação da bola. Consoante esta informação, movimentava-se para a esquerda ou direita, de modo a agarrar na bola. Cada bola que não fosse agarrada valia dois pontos para a equipa que a lançou, e assim sucessivamente.
       Esta foi mais uma das actividades que teve muito êxito e interesse por parte da nossa população – alvo, tendo durado até ao final da aula.
       Assim, a nossa actividade chegou ao fim, não esquecendo de agradecer à turma e ao professor Ricardo pela dedicação e participação na nossa actividade, que era fundamental para o nosso projecto.
       O grupo acha que se houvesse mais tempo, muitas outras actividades seriam realizadas, o que não aconteceu, o que causou imensa pena, pois foi a actividade mais dinâmica e divertida realizada pelos dois grupos.
       Para concluir, além de todos os factores positivos que se puderam observar com esta actividade, esperamos que a nossa população – alvo tenha aprendido alguma coisa com esta actividade, ficando sensibilizada não só para a causa da cegueira, mas também para o preconceito e desprezo que é empregue nos deficientes em geral, quer motores, quer visuais e/ou auditivos.
       Além do tempo que foi muito escasso, o grupo não tem qualquer aspecto negativo a apontar pois tudo foi corrido como planeado, contribuindo para o sucesso do nosso projecto!


quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Apresentação do Workshop

       No âmbito da disciplina de Área de Projecto, o grupo “Para Além dos Nossos Olhos” tem previsto uma actividade lúdica para este mês de Fevereiro, que consiste num workshop de Braille, uma vez que este tema já começou a ser abordado nos panfletos entregues à nossa comunidade escolar e nos cartazes afixados no Colégio.
       Este workshop de Braille que irá ser realizado tem como objectivo principal aumentar e melhorar o conhecimento de cada aluno que assistir e participar nesta actividade.
       Acreditamos também que conseguimos sensibilizar os nossos colegas e fazer compreender que a cegueira não pode ser objecto de discriminação.
       O nosso grupo tem também como objectivo dar a conhecer os tipos de metodologias de educação proporcionados a alunos cegos através do contacto com um especialista, especialista este que pertence à Escola Secundária de José Estêvão, professor José Silva.


População - alvo: Turma do 11ºAV
Dia: 11 de Fevereiro, Sexta-feira
Local: Anfiteatro
Hora: 15h30

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Actividades Previstas .

 A nossa calendarização é composta pelas seguintes actividades:
  • Entrega dos inquéritos às turmas do 10º e 11º ano e posterior análise (estatísticas, objectivos, etc.).
  • 16/11/2010 - Visita ao Centro de Recursos TIC para Educação Especial, em Coimbra e respectiva organização da informação recolhida;
  • 03/12/2010- Dia Internacional da Pessoa com Deficiência – Realização de uma actividade com as crianças do Colégio, num curto espaço de tempo, onde irão passar por deficientes visuais, podendo tirar proveito de várias sensações, gostos ou cheiros;
  • Realização da entrevista a José Francisco Caseiro;
  • 04/01/2011 – Dia Mundial do Braille – Entregar panfletos e afixar cartazes com conceitos e curiosidades acerca do Braille.
  • Entrega de rebuçados originais com mensagens sobre a cegueira dentro deles, que será entregue á nossa comunidade escolar;
  • 23/01/2011 – Dia Mundial do Desporto – Actividade lúdica feita a jovens da nossa idade onde se irá organizar diversos jogos, como por exemplo, corrida com auxilio, caminhadas com obstáculos, etc.
  • Criação de um Blog acerca do nosso tema;
  • Rastreio visual feito á nossa comunidade escolar por médicas oftalmológicas da Multiópticas Vitó de Albergaria-a-Velha;
  • 11/02/2011 – Dia Mundial do Doente – Realizar um workshop de Braille á nossa comunidade escolar;
  • Actividade lúdica com os alunos do 9º ao 12º ano -  cada aluno irá tirar várias fotos, de olhos vendados, sendo as melhores afixadas e expostas a toda a comunidade escolar;
  • Actividade lúdica em parceria com os alunos do curso de Artes do 12º ano - pintura de telas ou folhas A3 de olhos vendados, para posterior exposição;
  • Participação com a turma do 7ºA num "momento de leitura", onde o nosso grupo irá contar a história do cego José Francisco Caseiro (a quem fizémos a entrevista);
  • Realização de uma palestra á nossa comunidade escolar com um médico oftalmologista, para se falar de eventuais conceitos sobre os olhos, doenças visuais e tipos de cegueira, com a companhia de um jovem cego, que nos vai dar a entender como é o seu dia-a-dia, as suas dificuldades, etc. (esperamos contactar com as associações para depois confirmar disponibilidade para nos fazerem acompanhar nas etapas).
  • Peddypapper com os jovens do Colégio sobre o Braille onde, após responderem correctamente a todas as perguntas, terão que procurar letras do alfabeto Braille e posteriormente construir uma frase com sentido e originalidade;
  • 07/04/2011 – Dia Mundial da Saúde – Entrega de cartazes alusivos ao nosso tema a toda a comunidade escolar;
  • Visualização de um filme sobre a cegueira aos alunos e docentes do Colégio;
  • 18/05/2011 - Apresentação do produto final – um livro, escrito em Braille, para oferecer à biblioteca do Colégio e criação de um filme acerca da aprendizagem escolar e pessoal dos cegos, bem como as diversas actividades realizadas durante o ano lectivo e divulgação de um Blog feito pelo grupo à nossa comunidade escolar.

Cartazes informativos alusivos ao Dia Mundial Do Braille




       Em parceria com os panfletos informativos, o nosso grupo de Área de Projecto achou pertinente a elaboração de cartazes sobre o Braille, que foram afixados em vários sítios do Colégio de Albergaria-a-Velha.
       O 1º cartaz foi afixado no corredor das salas dos décimos anos (10ª,11ª e 12ª ano), para quem vai para o laboratório de Físico-Química, Biologia e sala de informática. Faz alusão, sobretudo, a Louis Braille, ao sistema Braille e à vida dos cegos.
       O 2º cartaz foi afixado no corredor da sala dos professores, no placard. Este cartaz abrange o alfabeto Braille, deixando a actividade aos alunos do Colégio de descodificarem a mensagem escrita em Braille (em relevo, com cortiça). A frase que está enunciada é: "Há cegos que lêem melhor o livro da vida do que muitos que possuem bons olhos."
       O 3º cartaz foi afixado na porta da cantina e bar do Colégio de Albergaria-a-Velha. Para além de falar, mais uma vez, da história de Louis Braille, explica também como é a educação dos cegos e como é utilizado o sistema Braille nos nossos dias.
       O grupo está a pensar em elaborar mais cartazes, agora falando de cegos célebres e curiosidades referentes à cegueira. Ainda não está decidida a calendarização desta nova actividade.  

Panfletos informativos - Dia Mundial do Braille (04/01/2011)


       Este folheto que apresentamos não é nada mais nada menos que o panfleto informativo que decidimos elaborar e entregar à nossa comunidade escolar no dia 4 de Janeiro de 2011 - Dia Mundial do Braille.
       Este panfleto, como o nome o indica, fala essencialmente do Braille. Além da breve abordagem que foi escrita acerca do grupo e do tema escolhido, está presente no panfleto a história de Louis Braille, assim como as diferenças entre como o Braille era abrangido pela população antiga e como é aceite nos dias de hoje, fazendo alusão a muitos dos equipamentos e tecnologias que podemos encontrar no nosso dia-a-dia.
       O panfleto foi fotocopiado, dobrado e entregue a cada aluno, do 10º ao 12º ano, do Colégio de Albergaria. Porém, o grupo queria pedir desculpas pois o panfleto foi mal empresso pela funcionária do nosso estabelecimento de ensino, cortando metade das frases, tornando-se muito dificil de ler e de compreender.
       Posto isto, iremos elaborar outro panfleto, não igual a este, mas parecido (ainda não sabemos se iremos abordar o tema do Braille ou outro qualquer em relação ao nosso tema geral).
       Mesmo assim, podem encontrar no Colégio de Albergaria cartazes informativos sobre o Braille, que contém semelhante informação.
       Mais uma vez pedimos desculpa!

      

Curas da cegueira com células-tronco!

         Um grupo de pesquisadores italianos da Universidade de Modena, implantaram células-tronco para tratar cegueira causada por queimaduras em 112 pessoas.  82 delas  (cerca de 76,6,%)  recuperaram totalmente a visão enquanto que 14 (cerca de 13,1%)  tiveram a visão parcialmente recuperada.

       A técnica,  já é utilizada há mais de uma década, e consiste em cultivar células-tronco do próprio paciente para depois depositá-las na região do olho conhecida como “limbo”, que fica entre a córnea e a esclera (parte opaca do olho). O limbo é a fonte natural de células-tronco para a recuperação diária da córnea, mas elas costumam desaparecer em casos de queimadura, impedindo a regeneração do olho e causando cegueira parcial ou total.

       Considerando que os pacientes tratados tinham ferimentos causados por queimadura em apenas um dos olhos  foi possível obter células tronco do outro olho.

       Depois de aplicarem o implante das células, a maior parte dos pacientes da Itália deverá passar por novas cirurgias na córnea para completar o processo de recuperação o que deve ocorrer entre 12 e 24 meses.

       A promissora pesquisa dos italianos foi publicada no periódico científico "The New England Journal of Medicine" e foi realizada com pacientes que passaram pelo procedimento entre 1998 e 2007.

Comer ovo previne a cegueira?

Ingerir um ovo por dia provoca um efeito positivo no organismo, elevando ao dobro os níveis de um tipo especial de antioxidante que ajuda a proteger a retina do olho.

Apesar de ser uma das fontes mais baratas de vitaminas, proteínas e minerais, permaneceu toda a década um manto de dúvidas e suspeitas.

Supostamente teria que ser evitado por causa do aumento do colesterol. Porém recentes estudos têm-se encarregado de derrubar estes mitos. Agora chegou-se à conclusão de que o consumo moderado de ovos ajuda a prevenir o deterioro ocular depois dos 40 anos.

Contra a corrente

Depois de passar anos dedicado à investigação científica, o doutor Ronald McNamara mudou a sua vida ao se assumir como director do Centro Nacional de Nutrição do Ovo, onde tem se encarregado de atacar os mitos a respeito do alimento.

Um dos maiores triunfos foi obtido este ano, quando uma equipa de experts da escola de medicina de Hardvad concluiu que comer um ovo por dia não aumenta o risco de sofrer d enfarte ou doenças cardíacas. O estudo foi feito em mais de 100.000 pessoas durante 5 anos.

"Comer ovos, especialmente a gema de forma moderada, é uma boa medida para prevenir problemas na retina. Porém esta não é a única receita", diz o especialista e ainda acrescenta que existem alimentos tanto ou mais ricos em carotenoides, com a cenoura, os tomates e em geral todos os vegetais de cor vermelha.

Mais ainda, os países que mostram maiores taxas de consumo de ovos são os que apresentam as menores taxas de morte por doenças cardiovasculares, derrubando assim o mito que nasceu anos atrás nos Estados Unidos e que logo percorreu o mundo.

"Se uma pessoa comer frutas, verduras, cereais ou ovos, está a receber todas as vitaminas, minerais e proteínas que o corpo necessita, além de diminuir o risco de padecer de doenças cardíacas, cegueira e outros males".

Artigo de José Francisco Caseiro publicado no jornal .


 MARCAS DE UMA VIAGEM - 40 anos depois…  

Tinha sete anos quando pela primeira vez entrei num comboio, acompanhava-me o meu pai e viajávamos para Coimbra. Esta viagem, iniciada no Largo da Praça, não o podendo então adivinhar, viria a mudar por completo toda a minha vida.  
Estávamos em Outubro de 1969 e, por essa ocasião, iniciava o segundo ano de actividades a escola Especial Dr. António de Oliveira Salazar” em Coimbra, mais tarde, com o advento da Revolução de Abril, rebaptizada de Instituto de Cegos de Coimbra.
Um pouco por todo o país, estava a ser divulgada esta nova Escola para crianças cegas e com problemas visuais e, em boa hora, diria hoje, lá chegou a Carapito um edital, apelando a que todas as crianças da freguesia, portadoras de deficiência visual, se matriculassem rapidamente na escola de Coimbra.
Anos depois, soube que essa ideia da minha vinda para Coimbra não caiu lá muito bem no meu meio familiar, sobretudo junto da minha avó Beatriz do Deserto, que, com aquele seu feitio e teimosia, passou a travar grandes discussões com os meus pais sobre esse assunto. Dizia ela que “Deixar levar para um asilo de cegos uma criança de sete anos, era uma crueldade e significava dizer-lhe um adeus para todo o sempre".
No fundo, sem o saber, ela até tinha boas razões para assim pensar e assim agir, pois em boa verdade, nessa altura, apenas existiam três escolas para ensinar crianças com dificuldades visuais, que já praticavam um ensino primário inovador e pedagogicamente avançado, de nível europeu. O resto eram apenas asilos para cegos, para surdos-mudos, etc., tudo estabelecimentos muito fechados e de exclusão social.
 Mas com o decorrer dos anos, sei que ela acabou por ver o seu erro e até compreender que essa tinha sido, de facto, a melhor opção que então se tomou.

Recordo-me vagamente de que ainda passei alguns dias pelos bancos da escola primária de Carapito, mas rapidamente os professores Osório e Ema desistiram da árdua tarefa de me tentar ensinar alguma coisa, pois, nem de longe nem de perto, me era possível acompanhar aquilo que se ia escrevendo no quadro.
Nas férias em Carapito, quando isso era possível, ia até à aula das Adegas, sempre com grande alegria dos professores, realizando com os antigos companheiros todas as tarefas solicitadas, não me tendo saído mal nesses trabalhos escolares, bem pelo contrário, ia bem acostumado.
Não raras vezes, perante o fracasso dalguns, fui tomado como exemplo, atitude que não era do meu agrado, pois no fundo não deixava de sublinhar a verdadeira razão da minha forçada ausência naquela sala de aula.
Mas no fundo, sei que gostava de ali ter ficado diariamente, junto dos meus companheiros de infância. 

E lá chegou então o dia desta viagem, 10 de Outubro de 1969, data que decisivamente parece ter marcado todos os meus passos seguintes.
Avançava o velho comboio, apanhado em Fornos e, para trás, num turbilhão de ideias e pensamentos, iam ficando cada vez mais nítidas essas memórias de infância, por sinal povoadas de agradáveis recordações. Lembrava-me então da família, em particular dos meus avós do Deserto, com quem tinha passado muitas semanas e meses na quinta, dos companheiros com quem brincara diariamente nas ruas, dos campos e suas actividades agrícolas. Do que eu mais gostava era de poder jogar à bola, o que fazíamos diariamente no adro da igreja e no largo do Terreiro. E à noite, pelas Trindades, quem se não lembra, que encanto era ver-se as estrelinhas que saíam da palha-de-aço em chamas pela Praça fora, rodopiando nas mãos dos rapazes mais velhos, enquanto não chegava a hora do “recolher obrigatório”, que então nos era severamente por eles imposto.
Como as coisas eram nesses tempos!
E apesar de tudo, eram bons tempos.

Até esse dia, nunca me havia separado dos meus pais e familiares e jamais tinha pensado que isso pudesse vir a acontecer.
Nem mesmo naquele fatídico dia em que o professor Osório e a D. Ema opinaram aos meus pais que "o seu filho não vê as letras do quadro, mesmo das bancadas da frente e precisa de usar óculos. Tem que fazer as letras muito grandes. Aqui não aprende grande coisa”.
Para os meus pais, a questão de ir ou não à escola, não levantava grandes problemas, pois a instrução primária, segundo a mentalidade desses tempos, não era tida como necessária para quem deveria permanecer e trabalhar nos campos, como tinha aliás sido esse o seu fadário.
Mas mesmo sabendo que não poderia frequentar aquela escola, também não tinha que sair dali, pois tinha o caso da minha tia Emília do Deserto, que sendo cega, nunca tinha abalado da Quinta, isto pensara eu.
Mas na verdade, estava redondamente enganado e viajava agora naquele comboio.
 Por tudo isto, esta viagem para Coimbra, que não se encaixava no meu imaginário mental, assumia assim uma maior importância e um carácter quase simbólico. Paradoxalmente, sou por vezes levado a cogitar se a roda da sorte não terá passado por ali e me tenha então bafejado, pois desta forma fugi ao destino que, indubitavelmente, me estava reservado.

Mas enquanto viajamos em direcção a Coimbra, neste comboio barulhento e que deita fumo por todos os lados, não posso deixar de alinhavar algumas palavras de sincero apreço e de agradecimento ao meu Amigo Padre Silvério Cardoso, que ao tempo tratou da papelada exigida, tendo, para esse efeito, ido várias vezes à cidade da Guarda, nos piores rigores invernais, com muito frio e neve, ainda na sua velha lambreta, creio que azul, mas isto só o vim a saber por ele próprio muitos anos depois.
Outro amigo devo também aqui mencionar, pelo seu incondicional apoio em todo este processo e, sobretudo pelas agradáveis visitas que me fazia ao colégio em Coimbra: o senhor Carlos Baltasar.
Mas todos para mim foram importantes, não podendo esquecer igualmente o apoio dos meus padrinhos José e Prazeres, pelo que, do fundo do coração e de modo igual, a todos quero agradecer por terem dado um outro rumo à minha vida, ainda que o faça agora e publicamente, quarenta anos depois…

Mas finalmente lá chegámos ao colégio que a direcção indicava, que ficava no Bairro do Loreto.
Era uma escola grande e cheia de vistosos jardins, que alguém se encarregou rapidamente de me tentar mostrar, com muitas árvores, bancos espalhados por todo o lado e mesmo um campo para jogar à bola. Mas eu, ainda espantado, naquela hora não queria saber nada daquilo. Toda a minha atenção ia exclusivamente para o meu pai, não se fosse ele embora e me abandonasse ali, no meio de tanta gente estranha e que de todo desconhecia. Mas ele, depois dalgum esforço, lá se conseguiu escapulir, deixando-me em grande pranto, com o coração amargurado nos meus sete anos.
Mas o tempo tudo cura e lá me fui acostumando à minha nova vida, aos meus novos amigos, aos professores e também à cidade de Coimbra.
 No fundo, até acabei por gostar imenso de ali viver e estudar. Era uma boa escola, com bons professores, bem equipada, com excelente organização e estruturação curricular. Era na altura considerada, isto nos anos 70, a terceira melhor escola de "ensino especial" da Europa.
Recordo-me de que um dia, até o Tó-Zé Paixão, com os seus colegas estudantes do Magistério Primário, para verem como aquilo funcionava bem, por lá passou também.
E ao cabo de seis anos, lá tive que abandonar essa que foi a minha primeira escola, com um diploma da 4ª classe debaixo do braço e um misto de sonhos e de esperanças, rumo ao então chamado “Ensino Integrado”.
Ainda acontece que hoje, passados quarenta anos da minha primeira entrada nessa Escola, é muita a emoção e são profundos os sentimentos que me invadem quando por ali entro, pois penso terem sido ali vividos os mais felizes momentos e anos da minha infância.

Em 1975, fui então parar à Comunidade Juvenil de Bencanta, um Lar de crianças e jovens filhos de emigrantes, Instituição que a irmã Teresa Granado sabiamente dirigia, e que ainda hoje funciona sob a sua direcção em Eiras – Coimbra.  
Nesses tempos, em que a entrada de crianças e jovens com deficiência nas escolas portuguesas não passava ainda de uma quimera, ela foi a única pessoa que, com grande humanismo e ousadia, em toda a cidade de Coimbra, aceitou receber na sua instituição crianças cegas e com visão reduzida, de forma a poderem frequentar o ensino normal, junto das demais crianças e jovens.
Na Comunidade da Irmã Teresa, onde estive 17 anos, também correu sempre tudo com grande normalidade. Praticamente éramos uma grande família, onde a solidariedade imperava. Desde muito cedo nos foi por ela ensinado de que “a liberdade exige responsabilidade”, pelo que Foi esse o lema e filosofia de vida que acabei por adoptar e me possibilitou ir sempre mais longe, crescendo para a vida e na minha formação cívica e académica.

Mas nem tudo era um mar de rosas e, a meio do curso liceal, surgiu um inesperado revés na minha vida, que inevitavelmente também deixou as suas marcas. Com o agravar do meu problema oftalmológico, vim a perder totalmente a visão quando frequentava o 9º ano. Foi, de facto, um período para mim algo complicado e que psicologicamente me arrasou.
Mas ainda era possível aos dezoito anos “sair da crise”, o que consegui fazer com muita motivação e forças que encontrei dentro de mim.
Era agora problemático ver-me na pele de pessoa cega, ter que usar uma bengala na rua e passar a ler e escrever apenas em  braille, estar mais dependente de terceiros, deixar de  ver televisão ou mesmo de ler livros em tinta(que tanto adorava fazer), etc..
Era um mundo novo, que teria lentamente de desbravar, para conseguir fugir à força avassaladora da escuridão e das trevas, onde milhões de outros seres humanos haviam já submergido.
 Havia experiências e situações que para mim eram novas e às quais tive que passar a dar mais atenção: aos sons, aos odores, aos relevos, às vozes das pessoas, etc.. tudo aspectos que ajudam as pessoas cegas a orientarem-se e a fazer a sua vida normal.
E, quando dei conta, com tanta confusão, lá se tinha ido esse 9º ano por águas abaixo.
Mas quantos não chumbaram uma vez na vida!?... e eu, desta vez até tinha uma boa desculpa!
Mas a vida continuava e eu queria vivê-la.

Realizando mais um sonho, em 1984 entrei para  a Universidade de Coimbra, que até posso considerar ter sido a minha quarta escola, onde cursei História, licenciatura que terminei quatro anos depois.
 Aqui sim, encontrei muitos obstáculos, pois a Universidade ainda não estava preparada para receber alunos com qualquer tipo de deficiência (ainda hoje muitas não o estão), pelo que foram necessários muitos esforços para ultrapassar as adversidades, como por exemplo a falta de livros em Braille ou gravação, de equipamentos (que jeito me teria então dado um dos meus computadores), etc., lacunas que a solidariedade dos colegas acabava por compensar.
Não posso, no entanto,  deixar de salientar pela positiva as muitas actividades académicas onde me vi  envolvido, desde “Queimas das Fitas” à luta estudantil, que então se vivia em Coimbra.
Bons foram, seguramente, esses tempos da Universidade!...
E concordando com a bela canção coimbrã:  “Coimbra tem mais encanto na hora da despedida…”.

Rumei então para a Escola Secundária José Falcão, onde entretanto tinha sido colocado como professor de História. Talvez tenha sido esse um dos momentos mais marcantes e de maior júbilo pessoal, pois representava o fim duma longa caminhada, iniciada em Carapito nessa fria manhã de 10 de Outubro de 69. Era também a autonomia e a independência financeira, conquistas que igualmente devo partilhar com alguns amigos e familiares mais próximos.
Foi, seguramente, a maior alegria que então pude dar aos meus familiares, sobretudo ao meu pai que, já um pouco combalido pela doença, sei que ainda viu esse seu desejo e sonho realizado.

Não me posso agora esquecer de recuar alguns anos, para justamente assinalar outro momento importante, que ocorreu a meio da década de 80, era ainda estudante na Universidade, quando conseguimos, com o empenhamento do Quim Lopes, do Pedro Alves e do Tó Feio, tendo vindo depois muitos outros, criar em Agosto de 1986 em Carapito a Rádio Monte-Calvário, que se manteria no ar cerca de três anos, com aquele êxito estrondoso que todos conhecemos, tendo sido a primeira no concelho e a terceira rádio privada a nascer no distrito da Guarda.
Foi, verdadeiramente, um momento único na nossa história local, que ficará seguramente gravado nos corações das gentes da Serra do Pisco.
Recordam-se do lema: “RMC - A Rádio mais no meio do campo!”?

Passei entretanto na década de 90 pela presidência da direcção da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO/Centro), Instituição a quem dediquei cerca de doze anos da minha vida, trabalhando voluntariamente e tudo procurando fazer para o bem-estar dos milhares de cidadãos deficientes visuais residentes na Região Centro.

E esta narrativa (que quase faz lembrar a outra do Raul Solnado) já vai longa e pouco mais tem de interesse. Apareceu a Idalina e constituímos mais uma família.
Do nosso casamento nasceram dois rapazes, Pedro e André, que tornam hoje as nossas vidas e o nosso lar muito feliz.
E quanto ao futuro, como diz o nosso povo “a Deus pertence”.

Para terminar, ao completar-se este mês  o 40º aniversário da minha saída de Carapito, não pretendendo com isto ser tomado como exemplo de nada nem de ninguém, sempre gostava de dizer aos jovens de Carapito, muitos dos quais mal me conhecem, muito menos toda esta história que vos relatei e, que se confrontam na actualidade com constrangimentos vários e imaginam que a vida já não os obsequiará com um futuro mais auspicioso, para não desistirem nunca de lutar; perante o esmorecimento não devem baixar os braços, pois acreditem que haverá sempre uma esperança e uma segunda oportunidade para se ser feliz e seguir em frente.
 Nada nesta vida se consegue sem trabalho e sem esforço, sem fé e sem esperança num amanhã, que todos desejamos muito melhor.
Reparem que tudo começou com uma simples viagem, que contribuiu para a mudança por completo da minha vida e me deu a oportunidade de ser o homem que hoje sou.
E se aí tivesse permanecido?
Às vezes a vida é-nos madrasta e temos que tomar opções, mas é preciso que as tomemos com cuidado mas com audácia.

Aprendi ainda que, apesar das nossas diferenças, mais aparentes do que reais,  todos somos úteis e necessários à construção duma sociedade mais fraterna e solidária, onde não haja lugar ao individualismo e às injustiças.
Se quisermos, todos saberemos colaborar na construção desse Carapito mais fraterno e solidário, sem mesmo ser preciso “abalar de comboio!”.
Por mim, já estou a fazer essa viagem do “regresso às origens!”.
Podereis acompanhar-me nessa longa caminhada, seguindo pela estrada virtual:
Todos juntos, de mãos dadas,  faremos essa longa viagem rumo ao porvir.
O caminho, faz-se caminhando, sempre… sempre, sempre… 


Coimbra, Outubro de 2009

(José Francisco Marques Caseiro)


Entrevista ao cego José Francisco Caseiro


1. Há quanto tempo é cego?
R.: Posso dizer-vos que sou totalmente cego há 30 anos, isto é, desde 1980, altura em que, devido ao agravamento do meu problema oftalmológico de Glaucoma, deixei definitivamente de ver.
Até aí, era um jovem amblíope, isto é, tinha o que hoje designamos por Baixa Visão, que me permitia fazer uma vida quase normal: ler, escrever, ver televisão relativamente perto do ecrã, deslocar-me sem qualquer ajuda ou bengala na rua, conhecer as pessoas pela sua fisionomia, etc.

2. Qual a causa da sua cegueira?
R.: Não se sabe. Já nasci com Glaucoma congénito, que se foi agravando com o decorrer dos anos, tendo ficado cego, como disse, aos 18 anos.
Na família apenas tinha uma tia com este problema, sendo que as minhas irmãs e os meus filhos nada têm em termos de problemas visuais.
Portanto, não se pôde apurar uma verdadeira causa, embora o factor hereditário possa ter tido alguma influência.

3. Se já nasceu com essa deficiência visual, como foi a adaptação dos seus pais e da sua família a um novo modo de vida?
R.: No início foi para eles uma situação complicada e deveras difícil, pois nem todos encararam a questão da minha deficiência da mesma forma.
Mas o facto de já haver uma pessoa cega na família (tia materna), pode ter dalgum modo atenuado o sofrimento dos meus pais.
 Quando fiz sete anos, ainda fui uns dias à escola primária da aldeia onde residia, no interior do país, mas houve dificuldades da parte dos professores em lidar com o meu caso e não tive êxito nesse início escolar.
Os professores não estavam preparados para lidar com crianças diferentes, que apresentassem problemas físicos ou outros.
Foi então que surgiu através do Padre da aldeia o aviso da abertura de uma escola de Ensino Especial em Coimbra, para crianças cegas e com baixa visão, oportunidade que os meus pais e familiares não deixaram fugir.
A minha avó era contra a minha vinda para Coimbra, pois a sua filha (minha tia cega) também não havia estudado e ficara sempre em casa, tratando da vida doméstica, pelo que o seu modo de perspectivar o problema era exactamente o mesmo.
Mas a tese da vinda para Coimbra venceu e, depois das formalidades da inscrição, cá vim parar a esta cidade, onde estudei, trabalho e resido.
Foi aqui que, desde muito cedo, me preparei para enfrentar as dificuldades da vida.

Creio que depois da vinda para Coimbra tudo normalizou, pois a minha avó reconheceu que tinha sido bem melhor este desfecho, pois estava a preparar-me para a vida, estudando e adquirindo a minha própria personalidade.
Sei que entretanto muitas outras pessoas não tiveram esta sorte e ficaram retidas em casa, sem poder estudar nem adquirir qualquer formação.

4. Já tinha precedentes na família, com o mesmo tipo de deficiência?
R.: Sim, tinha uma tia materna que tinha também Glaucoma, que a cegara quando ainda era muito jovem.

5. Nas escolas que frequentou, havia tecnologias e equipamentos adequados à falta de visão?
R.: Na primeira escola especial de Coimbra – Instituto de Cegos de Coimbra –, posso dizer que sim, havia todos os materiais que altura se usavam no processo de ensino-aprendizagem de crianças com problemas visuais, desde livros adaptados, Braille e ampliação, máquinas de escrever Braille e tinta, jogos didácticos e lúdicos, materiais para ensino de música, equipamentos desportivos, biblioteca, etc., pelo que a formação era boa e de grande qualidade.
Essa escola de Ensino Especial chegou na década de 70 a ser considerada a 3ª melhor da Europa no ensino de crianças com deficiência visual.
Com a entrada no Ciclo Preparatório, já no ensino normal (actuais 5º e 6º anos), começaram a aparecer dificuldades: havia professores com menor formação, falta de materiais, falta de equipamentos desportivos, etc., pois as escolas não estavam preparadas para receber este tipo de alunos.
No Ensino Secundário (7º ao 12º anos), o panorama era idêntico: havia bastantes alunos, dispersos por muitas escolas e poucos professores para prestar apoio, para além das carências ao nível dos livros e outros materiais escolares.
Apenas nas grandes cidades se concentravam os alunos numa ou duas escolas, para se gerir melhor esses recursos disponíveis.
Por último, na Universidade então o apoio era zero. Na década de 80 ainda Não havia nada.
Cada aluno apenas podia contar consigo e com a solidariedade de colegas e de professores, que faziam o que podiam para haver sucesso.
Ao nível institucional, não havia quaisquer serviços de apoio.

6. Alguma vez sentiu dificuldades na aprendizagem?
R.: Sim, muitas vezes, não pela dificuldade em apreender ou assimilar conhecimentos, mas pela falta de meios para fazer essa aprendizagem. Sem ter muitas vezes todos os livros em Braille e outros instrumentos de trabalho, tornava-se difícil acompanhar os meus colegas nas aulas, i isso era um forte condicionalismo que me poderia ter desmotivado relativamente ao prosseguimento dos estudos, como aconteceu com outros alunos com deficiência visual.
Felizmente que as coisas hoje são bem diferentes e os alunos têm praticamente os materiais e equipamentos de que precisam, para além de professores com formação.

7. Sentia-se integrado no círculo de amigos da sua escola ou sentia-se "inferior" em relação aos seus colegas por ser diferente?
R.: Sempre me senti integrado no ambiente escolar, quer no Ciclo Preparatório, quer no Ensino Secundário e mesmo na Universidade.
Mas isso nem sempre acontece. É preciso estarmos disponíveis, abertos para os outros, assumirmos a nossa diferença e querermos fazer essa integração, para que os outros nos aceitem tal como somos.
Como sou de fácil relacionamento, sempre tive grupos de amigos/colegas com os quais convivia e participava em todas as actividades, dentro e fora da escola.
Tinha a vantagem de viver numa Instituição de jovens, o que facilitava muito as coisas.
Ainda hoje tenho muitos amigos desses tempos de estudante, com os quais gosto de estar e recordar esses bons momentos.
Depende muito da pessoa com deficiência, visual ou outra, o ser capaz ou não, de dar esse passo no sentido da integração, pelo que pela minha parte tentei sempre pugnar por caminhar no sentido dessa inclusão, chegando mesmo a ocupar lugares de destaque em associações de estudantes, comissões de curso na Universidade, etc.

8. Chegou a frequentar alguma universidade ou instituto de curso superior?
R.: Frequentei a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo-me licenciado em História.

9. Era possível encontrar em sua casa todos os equipamentos adequados à sua deficiência?
R.: Não. Apenas tenho em casa aqueles que me interessam e posso adquirir, pois existem muitos outros que, por serem caros, não posso ter. Mas basicamente existe tudo aquilo de que necessito para o dia-a-dia, enquanto pessoa com deficiência visual.
A casa de uma pessoa cega, ou mesmo de duas, dado que a minha esposa também é cega, não é muito diferente da casa de pessoas com visão normal, pois usamos basicamente os mesmos equipamentos, embora alguns tenham algumas adaptações. O mais importante é a arrumação e disposição das peças de mobiliário e objectos, cada qual no seu lugar, para sabermos sempre onde se encontram.

10. Há quanto tempo e onde aprendeu a utilizar o Braille?
R.: Aprendi Braille logo na primeira escola especial para cegos, mesmo não tendo ainda necessidade de o utilizar. Nessa altura, era norma nas escolas de Ensino Especial todos aprenderem Braille, cegos e pessoas com baixa visão, para poderem estar devidamente preparados para as contingências do futuro.
No entanto, quando ceguei aos 18 anos, como não era um utilizador assíduo, tive mesmo que me agarrar ao Braille, com todas as forças e ambas as mãos, para poder continuar a estudar. Nessa fase por dominar mal o Braille, ler e escrever muito lentamente, acabei por “chumbar” nesse 9º ano, situação que até me veio posteriormente a favorecer, pois a frequência pela segunda vez trouxe-me melhores notas e mais motivação, para além de novos colegas e amigos.
Assim, considero que ainda hoje o Braille é fundamental no ensino-aprendizagem de crianças e jovens com deficiência visual, pois ele é o seu natural e lógico suporte de escrita e leitura, isto apesar de todas as tecnologias hoje disponíveis, que dalgum modo afastam os alunos cegos da utilização regular do Sistema Braille.

11. Tem filhos e/ou casou? Se sim, sentiu dificuldade em nunca os poder ver, de não saber como são, isto é, só o pode "ver" com as mãos?
R.: Sim casei, por acaso com uma pessoa também cega.
Temos dois filhos, sem problemas visuais e somos felizes.
De facto eu conheço-os, detecto-os, vejo-os com as minhas mãos e sei como agir com eles em cada momento, mesmo quando eles não pensam que os estou a observar (à minha maneira).
Conheço a sua maneira de ser e pensamento e consigo prever com alguma exactidão o que irão fazer ou dizer em seguida.
Estou em vantagem relativamente a algumas pessoas cegas, pois como já vi, guardo as imagens de rostos, da cor dos cabelos, do perfil das pessoas, pelo que facilmente transporto essas imagens para as pessoas dos meus filhos, traçando com imaginação o perfil de cada um deles.
E eles também nos conhecem muito bem, sabem das nossas potencialidades e conhecem as nossas limitações, pelo que também estão sempre atentos e conseguem prever algumas situações em contextos variados.
Portanto, o mais importante não é o que se vê ou consegue ver com os olhos, pois o essencial está dentro de cada um deles e também de cada um de nós.

12. Disse-nos que praticava desporto quando era mais novo. Praticava-o só com colegas cegos?
R.: Durante a escolaridade praticava desporto com os colegas da turma e/ou com outros amigos sem problemas visuais.
Era possível fazer ginástica, praticar atletismo com um guia ao meu lado, natação em grupo, etc.
Mais tarde, já na Universidade, pratiquei desporto com atletas cegos, designadamente:
-  Atletismo, com um guia;
-  Goalball, integrado na equipa da ACAPO/Coimbra, participando em competições regionais/nacionais;
- Futebol para cegos, integrando a equipa de Coimbra da ACAPO, em Campeonatos nacionais da modalidade;
- Ciclismo-Tandem, competindo pela ACAPO ou individualmente em provas e torneios da especialidade.
Existem ainda outros desportos, os chamados desportos de mesa ou tabuleiro, como Cartas, Bingo Sonoro, Damas, Dominó ou Xadrez, dos quais nunca fui grande praticante, por serem demasiado estáticos para o meu gosto.

13. As pessoas com deficiência visual têm muita dificuldade em arranjar emprego, visto que há muita falta de sensibilidade por parte de quem é responsável pelo ofício. Comente a afirmação consoante o seu modelo de vida.
R.: Efectivamente, nos tempos que correm, mas também no passado, as pessoas com qualquer deficiência têm grande dificuldade em encontrar um emprego compatível.
Não é só um problema estrutural, próprio da crise que atravessamos, mas também e fundamentalmente é um problema de mentalidades e de confiança nas capacidades e potencialidades destas pessoas.
Como não se conhece ou não se sabe do que são capazes de fazer, não se lhes dá as oportunidades que merecem e a que têm direito.
Mas muitas vezes as dificuldades têm origem nos próprios deficientes que, perante um mais reduzido leque de ofertas de trabalho, não estão tecnicamente preparados para competir e enfrentar esse difícil mundo laboral, onde a competição entre trabalhadores está na ordem do dia.
Em suma, as dificuldades para hoje se encontrar um emprego são grandes para todos, mas substancialmente maiores para os cidadãos com deficiência.

14. Porque razão decidiu alistar-se na Direcção Regional?
R.: Eu era professor numa escola de Coimbra e, em dado momento, era preciso alguém que assegurasse a revisão de manuais e outros materiais produzidos em Braille na DREC, pelo que fui convidado para desempenhar essas funções, o que fiz durante cerca de 10 anos. Actualmente exerço funções de apoio no Gabinete de Educação Especial, com tarefas várias.


Coimbra, 25 de Novembro de 2010

José Francisco Caseiro